Wednesday, February 25, 2015

Non Big Data Post - Causas e Consequências da I Guerra Mundial (Post in Brazilian Portuguese)

Variando um pouco de assunto: um dos meus hobbies de leitura é o tema I Guerra Mundial e a diplomacia no século XIX e início do século XX. A este respeito dei uma entrevista (por e-mail) para o Jornal Contraponto, dos alunos do curso de Jornalismo da PUC-SP. Trechos da mesma foram publicados na edição no.94 de setembro de 2014. A edição pode ser lida em formato digital no endereço: http://issuu.com/jornal.contraponto/docs/cp94.2014. Agradeço ao meu colega Prof.Montoya pela indicação para a entrevista.

Transcrevo abaixo as perguntas e respostas na íntegra:

Respostas enviadas para Manoela Smith, Jornalismo, PUC-SP, Jornal Contraponto. manoellasmith@gmail.com

1) Na sua opinião, quais foram as maiores consequências da Primeira Guerra? 

  - No campo político foi o início da mudança da Europa para a América e Ásia do centro decisório da política internacional. A preeminência dos Estados Unidos (no hemisfério ocidental) e do Japão (no hemisfério oriental) começou a ser percebida (ainda que desdenhada) ao final do conflito na conferência de Versalhes.

Este desdém, por parte da Inglaterra e da França, levou tanto a alienação do Japão (o que criaria ressentimentos que teriam graves consequências internas na política japonesa, as quais levariam em última análise a aventura expansionista de 1941) quanto a nulidade de efeito da iniciativa de autodeterminação do presidente americano Woodrow Wilson.

Falarei mais adiante de uma dicotomia entre os modelos decisórios utilizados pelos líderes políticos em 1914 e os meios materiais e sociais a sua disposição. Pois bem, em 1918, esta dicotomia entre a forma de pensar dos líderes e as realidades impostas por um mundo que havia mudado rapidamente ao final do século XIX, levaram os mesmos a cometer erros crassos, muitas vezes simplórios. Ao ler os relatos das discussões realizadas em Versalhes me parece que Clemenceau e Loyd George pensavam estar na verdade em Viena, em 1815.  

- No campo econômico foi a mudança de foco da conquista de espaço geográfico para uma época em que o poder passou a ser medido por níveis de influência, seja ela econômica, seja ela cultural. E esta influência passou a ser, cada vez mais, definida pelo nível de inovação, conhecimento produzido na sociedade. Pode-se dizer que os avanços tecnológicos do século XIX e início do século XX catalisaram uma mudança econômica que levou, nos dias atuais, a chamada sociedade do conhecimento. 

Por outro lado, as lideranças políticas do início do século tiveram sua formação no século XIX e em contato com ideias que vinham muitas vezes do século XVIII. Este hiato, ou talvez fosse melhor dizer esta incompreensão do que ocorria na sociedade foi o causador da brutalidade desencadeada em Julho de 1914. Minha impressão é que os líderes, tanto políticos quanto militares no início do século não perceberam o quanto o interior de suas sociedades tinha mudado desde que eles iniciaram suas carreiras. 

As decisões daqueles fatídicos anos do início do século e daquele infeliz mês de Julho/Agosto de 1914 mostram claramente políticos pensando em conflitos, tal como se pensava até a Guerra Civil Americana (ou a Guerra da Criméia), quando o conflito em si era considerado um affair dos militares e que muitas vezes passava despercebido pela grande maioria da população.  

Um exemplo que gosto de citar (infelizmente esqueci a fonte) é um relato da batalha de Waterloo. No texto que li muitos anos atrás, uma senhora reclamou que seus lençóis haviam ficado sujos por causa da grande quantidade de cavalos, os quais para ela sem razão aparente tinham passado pelo seu campo naquela manhã. Veja: uma das mais importantes batalhas do mundo ocidental, a qual iria definir o destino da Europa por 100 anos, estava ocorrendo praticamente no quintal desta singela senhora e ela não sabia nem que um conflito ocorria no interior do seu país.

Cem anos depois, os descendentes desta mesma senhora, estavam lutando todos, de um lado ou de outro, em outros campos não muito longe dali (no Marne, em Verdun ou no Somme), em um número impossível de ser imaginado no início do século XIX e todos motivados por ideais que cem anos antes eram entendidos (se é que eram) apenas pelos oficiais ou os grandes líderes políticos.

O que os líderes em geral não entenderam foi que mobilizar grandes volumes de pessoas, com tecnologias infinitamente mais letais, as quais requeriam uma coordenação econômica jamais vista para ser posta em ação, era radicalmente distinto de mobilizar pequenos grupos de soldados (quando pensamos em termos proporcionais à população total) e coloca-los em ação com objetivos muitas vezes paroquiais.

Em resumo: ninguém, em especial as lideranças políticas, tinha ideia do que seria o conflito, porque seu mindset ainda estava nos séculos XVIII e XIX. Esta dicotomia entre o modelo e a realidade levou sem sombra de dúvida às irresponsáveis decisões de Julho de 1914 e dos primeiros anos de guerra o que foi eufemisticamente chamado pelo principal comandante inglês (William Haig) de curva do aprendizado do seu exército. Um aprendizado realizado ao custo de, por exemplo, 20.000 Tommies só na primeira manhã da ofensiva do Somme em 1916.  Ou pela decisão do comandante alemão na frente ocidental (Falkenhayn) de sangrar a França até a morte na ofensiva de Verdun, também em 1916.

- No campo social, foi o estabelecimento de um vácuo de poder, causado pela ausência de homens nas atividades do cotidiano, nas economias centrais, o que foi preenchido por minorias (em especial o público feminino), as quais obtiveram, mantiveram e expandiram seus direitos por causa da guerra. O exemplo típico desta situação é o do sufrágio universal nas democracias ocidentais (notadamente Inglaterra e França). Por causa da enorme quantidade de homens que foram deslocados para as frentes de combate, as mulheres obtiveram um espaço no ambiente produtivo, o que levou rapidamente ao final da guerra (na Inglaterra) ao direito ao voto, ao trabalho e a independência, pessoal e financeira. Além disso, as massas de soldados que foram mobilizadas em nome de um ideal, ao retornarem dos campos de batalha, exigiram participação nas decisões políticas, o que levou ao sufrágio universal (na Inglaterra e França). Isto trouxe profundas consequências na forma como as democracias ocidentais passaram a ser geridas. 

1b) Algumas delas refletem no mundo até hoje?

- Com certeza, muitas das características da nossa época foram forjadas pelos quatro anos de loucura que tomou conta do mundo entre 1914-1918. Como foi dito acima, as mudanças sociais e políticas foram aceleradas pelo conflito.  Penso no conflito como um catalisador de uma enorme quantidade de mudanças que iriam ocorrer de uma forma ou de outra. A maneira exata em que elas ocorreram é que foi definida pelo conflito (em especial pela sua escala e brutalidade).

Teorizando um pouco mais, entendo que as mudanças sociais no seu fundo são provocadas por alterações na ordem econômica. Sem ser Marxista, ou advogar causas de esquerda, creio que Marx acertou em cheio ao dizer que a economia é o fundamento de todas as regras sociais. Pois bem, a tecnologia (a grande causadora de mudanças econômicas) havia progredido mais no século XIX do que em toda a história da humanidade. É natural (hoje) entender que o mundo tinha se alterado de maneira radical. Sendo assim, as transformações sociais iriam ocorrer de uma forma ou de outra. A I Guerra tendo sido travada do jeito que foi, teve um efeito catalisador, isto é, acelerou a transformação de forma radical. Não creio na inevitabilidade da história, porém muitas transformações eram inevitáveis. A forma como elas se desenrolaram foi, no entanto, fruto das atitudes individuais de todos os envolvidos na política do início do século.

1c) Qual foi o papel do pensamento colonialista no estopim da guerra e depois dela, principalmente nos tratados de paz?

Muito mais que o pensamento colonialista em si, vejo novamente a dicotomia entre o modelo decisório e a realidade (principalmente econômica e social) do início do século. O pensamento colonialista é o reflexo de um processo decisório que diz que a busca pelo poder passa pelo acesso à terra. Em um mundo no qual o poder passava cada vez mais a ser medido pela capacidade de inovação, produção, enfim pelo conhecimento, nações inteiras se mobilizavam para preservar impérios e o controle territorial de grandes partes do globo. 

Neste sentido o pensamento colonialista (obter a maior fração possível da massa de terra disponível no planeta, seja a que custo for) desempenhou um papel chave no estopim da guerra. Mais uma vez, líderes com um processo decisório (uma mentalidade pode-se dizer) típica dos séculos XVIII e XIX, tomando decisões com recursos do século XX. É em poucas palavras a receita para a irresponsabilidade... 

2) Com intenção de desmembrar o Império Otomano, os Britânicos apoiaram a criação de um estado judaico na região onde encontra-se hoje a Palestina e Israel. Por meio da Declaração de Belfourt a diplomacia inglesa apoiava o movimento sionista a criar um estado judaico na região onde encontra-se hoje a palestina e Israel. Além do enfraquecimento do Império Otomano, quais eram a intenções britânicas ao apoiar a causa sionista? E esta ação britânica pode ser considerada o principal fator para o início do conflito que perpetua-se até os dias de hoje entre judeus e árabes?

Esta questão precisa ser vista sob a ótica da diplomacia inglesa para o Oriente Médio, antes durante e depois do conflito. Antes do conflito, os ingleses tinham o foco longe do Oriente Médio. Naquela região, seu interesse concentrava-se no Canal de Suez, o qual era essencial para manter o comércio com a Índia e outras colônias do Extremo Oriente.

Durante a guerra, os ingleses perceberam, a duras penas (em Galipoli e em Kut), que o Homem Doente da Europa (o Império Otomano) seria muito mais difícil de vencer do que se imaginava. De certa forma humilhado, e com seus recursos estressados ao máximo (ao final da guerra 30% do total de Tommies estavam lutando no Oriente Médio), os ingleses procuraram formas de resolver a questão, buscando aliados em diversas frentes, porém sem uma grande coordenação. Mais uma vez, o modelo decisório inadequado aparece com força total. Travando um conflito 100% moderno, em que a coordenação econômica era essencial, a iniciativa diplomática e militar britânica no Oriente Médio mostrou, todas as características de um grupo acostumado às decisões descentralizadas, típicas da forma pela qual o Império Britânico fora gerenciado nos séculos anteriores. 

Primeiro foi delineado o acordo Sykes-Picot, o qual dividia o Oriente Médio em duas esferas de influência uma francesa e outra inglesa. Este acordo foi resultado do entendimento de que um forte aliado militar seria necessário para levar adiante a campanha militar na região. Em paralelo, Sir Henry McMahon, Alto Comissário Britânico no Egito fez uma aproximação com o clã Hachemita, procurando motivar os árabes a uma revolta contra a dominação Otomana em troca da criação de estados árabes independentes na região. Em 1917, buscando aumentar o suporte à Inglaterra nos demais países aliados (em especial Rússia e Estados Unidos) foi feita a Declaração de Balfour (que era Secretário de Assuntos Externos), a qual apoiava a criação na Palestina de uma nação judaica. Parece-me que, pressionados pela realidade de um conflito mundial, o qual estava literalmente empurrando o Império Britânico pela ladeira abaixo, os ingleses decidiram, ainda que de forma descoordenada, resolver a questão da guerra, primeiro, e a qualquer custo, e ver o que podia ser feito depois.

Em resumo, as intenções ao fazer a Declaração de Balfour, eram ligadas ao aumento do suporte a causa britânica entre os aliados. Não creio que a Declaração em si seja a raiz dos conflitos atuais. Ela foi outro elemento que catalisou algo que iria ocorrer de um jeito ou de outro (neste caso a criação do estado de Israel). As consequências para a política atual podem ser vistas na pergunta a seguir.

a) Ainda sobre o desmembramento do Império Otomano: diversos países do Oriente Médio, que hoje vivem em conflito, foram criados após a queda do Império e foram partilhados entre ingleses e franceses, a partir do Acordo Sykes-Picot. Como essa colonização afetou a história desses países? É possível dizer que parte dos conflitos que eles vivem hoje tem relação com o fim da 1ª Guerra?

Falei na pergunta anterior da diplomacia inglesa antes e durante a guerra. Agora é hora de falar do pós-guerra. Já em 1919 os ingleses perceberam que o conflito que começara no carvão tinha terminado no petróleo. Foi o petróleo (seus derivados) que movimentou os tanques e demais meios de transporte que tornaram a vitória possível. Dá para perceber que a retórica da Guerra para Por Fim a Todas as Guerras não durou dois anos depois de 1918, pois já em 1920 falava-se que o petróleo iria decidir o próximo conflito.

Sendo assim, garantir o fornecimento de petróleo passou a ser essencial para a diplomacia inglesa. Some-se isso ao fato de os franceses no final da guerra manterem aprox. 1.000 soldados na região (contra as centenas de milhares de Tommies), os ingleses não tinham a mínima intenção de retornar o Oriente Médio à forma frouxa de controle de antes da guerra, muito menos de cumprir o acordo Sykes-Picot. Ainda assim, o mesmo foi cumprido, no sentido de passar a Síria para o controle francês, porém um problema se interpôs no caminho da influência inglesa no Oriente Médio: a declaração de autodeterminação dos povos do presidente americano Woodrow Wilson, o qual via os acordos do final da guerra (Versalhes é apenas o mais famoso e dizia respeito principalmente à Alemanha, mais existiram muitos em paralelo) como o momento de reescrever a história.

Numa forma que me lembra em muito o nosso famoso Jeitinho Brasileiro, só que aplicado em escala global, os ingleses delinearam uma proposta que definia mandatos para os territórios que tinham sido liberados do controle Otomano (no Oriente Médio) ou Alemão (na África e Extremo Oriente). Existiriam três tipos: o tipo “C” era praticamente uma colônia e foi aplicado no Extremo Oriente, dando passe livre às ambições do Japão, Austrália e Nova Zelândia, o tipo “B” permitia o controle do comércio externo pela Liga das Nações, tendo sido aplicado nas ex-colônias alemãs da África, e o tipo “A” dizia respeito aos povos que estariam próximos da autodeterminação. Foi este o tipo de mandato aplicado ao Oriente Médio. Porém este tipo de mandato contrastava frontalmente com o pensamento britânico para a região, pois os árabes eram considerados incapazes de se autogovernar. A real intenção era a de criar regimes dependentes do poder central (no caso Londres), os quais serviriam para garantir a influência britânica na região e o fornecimento de petróleo em caso de novo conflito.

O desenho da região começava a se delinear. Os franceses ganharam a Síria, dividindo a mesma em duas províncias, uma delas dando origem ao atual Líbano e estabelecendo ali o sistema centralizado com o qual gerenciavam suas colônias. O clã Hashemita, na figura de Feisal, o líder árabe da revolta contra os Otomanos, “ganhou” a Mesopotâmia (atual Iraque). Esta região foi agrupada a partir de três regiões distintas, Basra, Baghdad e Mosul. O irmão de Feisal, Abdullah foi estabelecido na Transjordânia (atual Jordânia), cuja existência foi criada para harmonizar a Declaração de Balfour com o prometido suporte a criação de estados árabes independentes na região. A região que receberia imigrantes de origem judaica ficaria na estreita, porém fértil, faixa de terra que hoje forma o estado de Israel.

Como os estados foram criados a partir de necessidades britânicas ou interesses franceses, a coesão interna nunca foi natural, os mesmos dependendo de regimes artificiais para manterem-se. Estas fraturas aparecem hoje nos conflitos internos do Iraque e na constante intervenção da Síria no Líbano. O interessante é que o estado que poderia ser considerado o menos viável economicamente (a Transjordânia) foi o que se mostrou mais estável no longo prazo. 

3) Após a Guerra, um dos únicos Estados realmente independentes que emergiram foi a Turquia de Mustafá Kemal. O que possibilitou esse fato? A Ária Saudita não se consolidou da mesma maneira e era independente só até certo ponto. Quais eram suas restrições? Isso ocorria devido ao poder britânico na região?

No caso da Turquia, as vitórias em Galipoli e em Kut criaram uma sensação que hoje seria descrita como yes we can na elite turca (a qual gerenciava o Império Otomano). A Turquia, na figura do Império Otomano, sempre esteve em atrito com a Inglaterra, por conta de sua posição estratégica nos estreitos que ligam o Mediterrâneo ao Mar Negro. O fechamento desta passagem foi a causa do colapso russo na Primeira Guerra, pois não tiveram suprimento de armas e munições vindas do Ocidente. Com o fim da guerra, a instalação de um regime comunista na Rússia e o deslocamento do foco britânico para o fornecimento de petróleo via Oriente Médio, entendo que a Inglaterra diminuiu o interesse no controle dos estreitos com o passar dos anos.

A princípio, com Istambul ocupada por forças Aliadas, a intenção original (sempre dentro da forma britânica de gerir seus interesses por meio de proxies) era a de criar um estado grego forte na região. Tanto que a ideia original era a de passar a Trácia (Turquia Européia) para a Grécia.

A revolta turca, liderada por Mustafa Kemal (o qual é idolatrado na Turquia até hoje), instaurou um regime o qual apesar de ditatorial, era republicano e ostensivamente modernizador, o qual procurou inserir a Turquia no contexto internacional como um novo país. Minha opinião: os ingleses já sabiam do que os Turcos, quando motivados eram capazes e não estavam nem um pouco interessados em ter uma espécie de Galipoli-II para resolver. Além disso, o regime turco mostrou-se modernizador no sentido de afastar a Turquia das ambições imperiais de estilo Otomano, ou seja, não pareceu ter ambições externas, em regiões em que não existisse uma população com língua turca (ainda que minoritária) ou fora do que os nacionalistas turcos definiram como Turquia. Em outras palavras: não mostraram interesse em controlar os recém criados Mandatos ingleses no Oriente Médio.

Ao pesar os prós e contras os ingleses parecem ter “deixado rolar” a revolução turca. Custaria caro reprimir, os gregos que deveriam tomar conta do problema foram derrotados, a nova república turca não demonstrou interesse na Mesopotâmia e os estreitos agora davam passagem para um regime comunista na Rússia, não para a antiga aliada, a Rússia Tsarista.

Na Arábia Saudita por outro lado, temos todas as condições invertidas. Era necessário manter um governo cliente de Londres por causa do petróleo, os árabes eram governados a séculos pelos Turcos Otomanos e não existiam instituições capazes de preencher o vazio institucional que a queda do Império Otomano deixara. Sendo assim, mais um governo cliente foi estabelecido. 

4) Durante a Primeira Guerra Mundial, principalmente na Europa, as mulheres tiveram que assumir papeis que antes eram desempenhados por homens. Esse, provavelmente, foi o momento no qual se inciou de forma efetiva a entrada feminina no mercado de trabalho. O senhor acredita que sem a Guerra os movimentos feministas e a mudança no papel da mulher teriam ocorrido no mesmo período? Por quê?

Eu comentei lá na primeira questão um pouco deste assunto. Acho que o motor da entrada feminina no mercado de trabalho foi “ligado” por conta das transformações tecnológicas (e por consequência econômicas) do século XIX. A I Guerra acelerou (e muito) um processo que iria ocorrer ao longo do século XX de uma forma ou de outra. Não tenho como precisar, mas se tivesse que “chutar” diria que ela acelerou o processo de inserção da mulher na sociedade, como um participante ativo (do ponto de vista político e econômico) em pelo menos 20 anos.

b) É possível afirmar que as mulheres conquistaram todos os direitos reivindicados nessa primeira onda do feminismo?

Não. As ditas conquistas foram obtidas de maneira distinta e em momentos distintos nos diversos países. Basta lembrar que o direito a voto das mulheres na Suiça foi obtido apenas, pasme, na década de 70 na maioria dos Cantões (em um dos casos o direito foi obtido em 1990 e através de uma decisão judicial).

No caso dos direitos das mulheres, mais uma vez me veem a mente que a tecnologia e seus efeitos na economia são os fatores que dirigem uma sociedade. O clima para a integração feminina na sociedade como um par em pé de igualdade com os homens já existia na primeira metade do século XX (as duas guerras mundiais garantiram isso). Mas o fator que realmente colocou as relações entre os sexos em pé de igualdade “de fato” foi a invenção da pílula. Não podemos esquecer a “Mãe Natureza” foi assimétrica nas suas escolhas e na reprodução o peso maior recai sobre as mulheres. Porém desde sempre quem decidia quando a esposa iria engravidar era na verdade o marido. Com a pílula (uma inovação tecnológica) esta equação inverteu-se e possibilitou a implementação das mudanças que vemos hoje.

5) Graças à Grande Guerra, inúmeras inovações tecnológicas, principalmente no campo da medicina, foram possíveis. É correto assumir que a Primeira Guerra teve um caráter positivo, mesmo que ela represente a morte de tantas pessoas e a destruição de tantos países?

As guerras tem este efeito. É triste ter de afirmar isso, mas o ser humano precisa de motivação e a maior motivação (a qual esta encravada em nossos genes) é a da sobrevivência. Agora, sua questão é um dos clássicos problemas de moral que são apresentados em cursos de filosofia. Em resumo: não existe resposta perfeita para a mesma. 

O que eu acho é que o mundo atual é o reflexo de todas as lutas e desafios que nossos antepassados tiveram que enfrentar. Não apenas a I Guerra, mas cada uma das vezes em que um antepassado primitivo nosso, lá na savana africana, 500.000, 1 milhão de anos atrás, tentou salvar sua prole de um predador com o uso de um pedaço de osso para se defender, ele estava deixando uma herança positiva para as gerações futuras.

Por outro lado, gostamos de nos considerar superiores aos demais seres vivos do planeta. Se isto é verdade já esta na hora de encontrarmos motivação em coisas mais nobres que a mera sobrevivência.

6) A Grande Guerra foi apenas o começo de um dos séculos mais conturbados da história, marcado por movimentos fascistas e extremismos de outra razão, além de outros conflitos como a Segunda Guerra e a Guerra Fria. Podemos dizer que todos os grandes eventos militares do século XX tiveram raízes no desfecho ou no desenrolar dos anos de 1914 a 1918?

Eu diria que foram influenciados de maneira direta. Mas quanto às suas raízes, entendo que estarão sempre ligadas a economia e como o homem lida com os avanços tecnológicos.

Abraços,

Gustavo

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